sábado, 14 de agosto de 2010

Cadê a palavra que estava aqui?

Por: Grace de C. Gonçalves


Cadê a palavra que estava aqui? Esta deve ter sido a pergunta feita por alunos de 7ª série de uma escola pública diante de uma atividade proposta pela professora da disciplina de Ciências. A atividade (avaliação) propunha que o aluno buscasse em uma figura representativa do aparelho digestório (...)

(...) informações que completariam um texto descritivo sobre o caminho do alimento no aparelho digestório. Segundo a professora, os alunos não sabiam qual palavra colocar nos espaços vazios do texto. O que pode ter ou não ter acontecido? Os alunos estavam com preguiça? A professora não lhes apresentou o tema antes, ou os alunos não sabem ler?
A coisa não é tão simples assim.

Quando fazem juntos, professor e aluno detectam, inferem, comparam, analisam, identificam, definem e controem um conhecimento. Nesta fase, o papel do professor é propor, conduzir, orientar e reorientar quando necessário. Perfeito... até aí. Após esse processo de construção do conhecimento, é necessário reservar um tempo para a realização de uma ou várias atividades semelhantes para que o conhecimento adquirido seja, de fato, apropriado pelo aprendiz para somente então ser aplicado de diversos modos e circunstâncias. Exemplifico.

Para aprender a dirigir um carro, têm-se aulas teóricas e práticas. Nas aulas práticas, o instrutor senta-se ao lado do motorista novato, lhe apresenta a máquina e instrui que movimentos o aprendiz deve realizar para fazê-la andar. Temos um motorista? Ainda não. Ele tem o conhecimento básico sobre a máquina e de como fazê-la se movimentar, mas ainda não tem domínio sobre ela. O domínio virá se o motorista-aprendiz tiver a oportunidade de aplicar aquilo que aprendeu mais uma vez, e outra e mais outra. Mesmo assim, após dez repetições, correrá o risco, em meio a um ambiente de tensão - o trânsito -, esquecer de fazer um gesto e perder o controle da máquina. Temos um motorista? Talvez.

Pois o mesmo acontece com a aprendizagem na escola. Tem-se o instrutor-professor, o aprendiz-aluno, a máquina-conhecimento, mas não se têm as repetições que produzem a apropriação do conhecimento. Num momento de tensão - a avaliação (ou a transferência de uma informação para um texto faltando palavras) - o aprendiz-aluno perde o controle da máquina-conhecimento.


Apropriar-se de um conhecimento implica repetições que levam ao condicionamento ou à memorização. Guardados na memória, “na hora de ser criativo, o cérebro usa as mesmas estruturas de outras maneiras para olhar uma questão de outro jeito e descobrir um caminho alternativo” diz a neurocientista Suzana Herculano-Houzel.

No caso relatado no início deste artigo, os alunos tiveram tempo para conhecer e fazer algumas atividades referentes ao novo conhecimento – aparelho digestório - entretanto, não tiveram tempo nem oportunidade para se apropriarem dele e serem criativos na hora de preencher um texto faltando palavras.

Então, vamos baixar nossa ansiedade e oferecer aos nossos aprendizes tempo e oportunidade para que eles construam um conhecimento, identifiquem-no em outras situações e circunstâncias e repitam a experiência com a sua ajuda para tão somente depois avaliar se realmente o conhecimento foi apropriado.

Há casos em que a memorização não escraviza, liberta. Já imaginou ocupar seu cérebro pensando em como se faz para ligar o motor do carro toda vez que quiser sair de casa? Melhor seria ter essa e outras operações mentais já condicionadas e deixar o cérebro livre para apreciar o passeio.

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