terça-feira, 12 de abril de 2011

TEM UNS TRUTA AÍ, MANO!

Por: Grace de C. Gonçalves
Publicado na Revista Virtual Profissão Mestre
ANO 9 - Nº 212 - 29-04-2011
TEMA: As várias linguagens e o ensino


Há alguns anos, um holandês me pediu aulas de língua portuguesa. Aceitei o desafio mesmo sabendo que teríamos problemas, pois o português dele era precário e o meu inglês era do tipo nóis vai, nóis fumo. Em meio a livros, dicionários, gestos e risos, o estrangeiro Walter me revelou que durante as viagens que fez pelo Brasil, notou que, não importava a distância, todos falavam português. Para ele, isso era no mínimo surpreendente, uma vez que em seu país, a distância de 300 km era suficiente para impedir a comunicação entre os habitantes das regiões devido aos diversos dialetos existentes. Mas não demorou muito para que ele percebesse que havia diferenças entre a língua que norteava nossas aulas e aquela que ouvia nas ruas. Tive, naquela circunstância, de lhe apresentar duas variantes da língua portuguesa: a dos livros – Você está bem?, e a das ruas - Cê tá bom?

Que crueldade!

Mas ele não está só.

Eu também me vejo na obrigação de ser poliglota da própria língua. Por diversas vezes, vejo nas redações de meus alunos outro código que custo a decifrar. É um tal de tbm, naum, vc, pq, aew, eh mt, que dificultam a minha leitura. Em outras ocasiões, é na oralidade que tenho a impressão de ser um E.T. em terras estranhas. Ouço “tem uns trutas aí, meu”, “mó legal”, “vamos colar em algum lugar?”.

Essas várias línguas são faladas por grupos distintos: a língua das ruas do bairro tal ou da cidade tal, da profissão tal, do grupo dos skatistas, do grupo que não freqüentou escola, o de pessoas mais velhas, dos que usam MSN etc. A impressão que se tem é que com o passar do tempo, ninguém mais vai se entender!... Será mesmo?

Duas das muitas funções da escola são respeitar as várias línguas que o aluno traz em sua bagagem e, ensinar outras, entre elas a língua portuguesa padrão. Embora com certa dificuldade, é ela que nos permite decifrar as outras. Ou seja, nos matem unidos, nos faz nação. Viva e em constante mudança, ela nos dá a possibilidade de comunicação entre o povo daqui e o dali, entre pessoas de uma tribo e de outra, entre pessoas de gerações diferentes.

Uma terceira função da escola é ensinar os discentes a usar a língua padrão como exercício da cidadania. O que significa adequá-la às diversas situações de fala. Afinal, ninguém deve dizer em uma entrevista de emprego “tem uns truta aí, mano!”, ou “mó legal, esse troço”.

Ainda bem que existe a língua padrão e aqueles que a ensinam como e quando usá-la. Já imaginou a dificuldade que o Walter teria em aprender nossa língua se não tivesse uma língua mater que o orientasse?

Um comentário:

  1. Olá prof. Grace,

    Parabéns pelo belo artigo.

    Gostei muito da sua colocação, espero que muitos educadores façam a leitura, eu vou indicar para muitos e principalmente para minhas alunas, se não se importar.

    Você tem toda razão sobre as funções da escola, mas eu voto na terceira "...ensinar os discentes a usar a língua padrão como exercício da cidadania.". Eu sou usuária de msn, twitter, orkut, facebock..., mas minha linguagem não muda, o que comprova que mesmo falando com jovens ou adolescentes, todos nos entendemos, é a "língua padrão".

    Sucesso e felicidades.

    Abçs

    Angelica Bocca Rossi
    Pedagoga - Especialista em EaD
    Assessora para assunto educacionais do Ensino Superior
    angelica.bocca@gmail.com

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