sábado, 23 de abril de 2011

EM UM MESMO TEXTO, MÚLTIPLOS OS SENTIDOS

Por: Grace de C. Gonçalves
Publicado no JORNAL VIRTUAL PROFISSÃO MESTRE
ANO 7 Nº 137 18/09/2009

O sentido dado ao texto pode ser múltiplo porque múltiplos são os leitores


Em um curso de aperfeiçoamento, foi proposto que interpretássemos uma música de Chico Buarque de Holanda. Muitos de nós fizemos adivinhações e poucos (para alívio meu) sabiam realmente do que tratava o texto. Achávamos que a letra da música referia-se ao amor de uma mulher por um homem que a deixava sozinha, ou vice-versa. A vergonha foi saber que a personagem principal era uma criança que reclamava a presença da mãe. Que diferença!

O que pode ter acontecido? Simples, ignorávamos o contexto de produção, isto é, não tínhamos conhecimento sobre a situação em que fora criada a música. Isso quer dizer que o sentido de um texto não depende somente da clareza do autor, da escolha das palavras que utiliza e do contexto social de sua criação; depende também dos conhecimentos prévios do leitor sobre determinado assunto que podem ser diferentes do conhecimento do autor e diferentes de outro leitor. Ou seja, o sentido dado ao texto pode ser múltiplo porque múltiplos são os leitores. Para exemplicar, conto-lhes outra situação.

Num curso de capacitação de professores, comentei a beleza de determinado livro e o quão a história havia me tocado a ponto de me levar às lágrimas. Na semana seguinte, uma das alunas disse-me com desdém: “Eu li o livro que você comentou e eu não achei nada emocionante”. Qual seria o motivo? Aí trata-se do contexto de uso. No momento em que li o livro eu poderia estar mais emotiva, ou poderia sentir empatia pela situação vivida pela personagem, diferentemente da outra leitora que poderia estar mais “fria” para a recepção daquela informação. Você já ouviu a frase “quando li o livro pela segunda vez percebi coisas que não havia notado antes”? Isto quer dizer que o contexto de uso modificou. O leitor, entre a primeira e a segunda leitura, pode ter amadurecido ou experenciado situações novas que influenciaram sua compreensão.

Daí a causa das múltiplas interpretações dada ao livro mais conhecido do planeta: a Bíblia. Justificam alguns que as mensagens são metafóricas e por isso permitem liberdade de interpretação; outros, mais conscientes, pesquisam o momento sociocultural dos fatos relatados, buscam na etimologia o significado histórico de determinada palavra. Tudo isso para evitar interpretações equivocadas.

Mas para tudo há um limite. Para cada texto há uma exigência. Os textos jurídicos, relatórios, atas e similares devem ser claros a ponto de não permitir interpretações distantes de seu propósito. E, do outro lado, o leitor deve buscar o maior número de informações para que não cometa o equívoco que cometi em relação à letra da música.

E daí, o que isso tem a ver conosco, pais e professores? Ora, diante desse conhecimento, devemos estar atentos às expectativas – geralmente alta – que criamos em relação ao rendimento de nosso filho ou aluno nas avaliações que verificam o grau de compreensão leitora.

Nós, que o avaliamos, devemos considerar seu conhecimento prévio em relação ao tema tratado, seja ele de um fato histórico, de uma palavra contida no enunciado de matemática, das observações que faz das estações climáticas, ou dos assuntos tratados no jornal falado da T.V. Ninguém relaciona fatos que nunca presenciou ou teve informações, ninguém escreve sobre aquilo que não sabe ou entende. A aprendizagem parte de algo que conhecemos para o que não conhecemos. Da informação velha para a informação nova. É assim que acontece!

Um comentário:

  1. Obrigado, Regina, por ter me proporcionado o acesso a uma leitura maravilhosa.

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